Urbain Le Verrier foi um astrônomo francês que viveu no século XIX. Havia um problema que incomodava os astrônomos da época: a órbita de Urano, então considerado o planeta mais externo do Sistema Solar, apresentava uma pequena anomalia, não seguia exatamente a trajetória que a Lei da Gravitação de Newton previa. Seria uma falha da teoria de Newton, tão precisa em todas os outros casos? Le Verrier acreditava que não, a gravitação Newtoniana estava correta. Havia algo desconhecido que perturbava a órbita de Urano. Ele supôs que poderia haver um outro planeta, ainda mais externo, cuja órbita perturbaria a de Urano.
Le Verrier, um ótimo matemático, calculou a órbita do suposto novo planeta e enviou os resultados a um observatório na Alemanha. Quando o telescópio foi apontado na direção indicada por Le Verrier, lá estava Netuno, esperando pacientemente ser descoberto.
A descoberta do planeta Netuno mostra como objetos invisíveis aos telescópios podem ser detectados pelos efeitos gravitacionais que provocam no seu entorno. Graças a esse método, uma das maiores descobertas da Física e da Astronomia foi feita no século passado, e que ainda hoje permanece como um grande enigma. A história começa nos anos 1930, com o polêmico astrônomo Fritz Zwicky. Filho de pai suíço e mãe tcheca, Zwicky nasceu na Bulgária e fez sua carreira nos Estados Unidos.
Zwicky foi um astrônomo brilhante. Era uma fábrica de ideias, algumas geniais, outras um tanto exóticas, como tornar os asteroides habitáveis. Teve uma relação conflituosa com a maioria dos seus contemporâneos, que não lhe davam muito crédito. Mas com o passar do tempo, suas muitas e importantíssimas contribuições foram reconhecidas. A mais valiosa, a existência da matéria escura, só foi confirmada décadas depois.
Zwicky estudava o gigantesco aglomerado Coma, um conjunto formado por mais de mil galáxias (o Universo está cheio de aglomerados de galáxias). As galáxias giram em torno do centro de gravidade do aglomerado. Todas devem ter a velocidade certa, que depende da massa total do aglomerado. Se fossem muito rápidas, a gravidade não seria suficiente para mantê-las no aglomerado, e elas se desprenderiam. Zwicky descobriu uma anomalia: as galáxias giravam com uma velocidade muitíssimo maior do a gravidade poderia sustentar. Zwicky concluiu que apenas grandes quantidades de uma matéria invisível poderiam fazer as galáxias girarem tão rápido e ainda assim seguirem como parte do aglomerado. Chamou, inapropriadamente, essa matéria invisível de matéria escura.
Muito pouca atenção foi dada à sua descoberta. Passaram-se décadas até que a grande astrônoma estadunidense Vera Rubin trouxesse à tona a matéria escura. Rubin foi uma pioneira, uma ardorosa defensora da presença das mulheres na Ciência. Em meados dos anos 1960, a ela foi negado acesso ao telescópio Palomar, na Califórnia, pela mera razão de ser mulher... Sua persistência foi recompensada, abriu caminho pra outras mulheres na Ciência e a tornou um ícone. Atualmente, está em construção o Observatório Vera Rubin, no Chile, equipado com uma câmera fotográfica revolucionária, com o objetivo de estudar a matéria escura.
Figura 2 - Vera Rubin
A Via Láctea é composta por muitos bilhões de estrelas, incluindo nosso humilde Sol. No centro, um imenso buraco negro. Todas as estrelas giram em torno do centro de gravidade da galáxia. Se a Via Láctea fosse um corpo rígido, as estrelas mais periféricas teriam maior velocidade de rotação do que as mais internas. Mas não é esse o caso. Nas regiões centrais, onde a densidade de estrelas é alta, a Via Láctea se comporta como se fosse de fato um corpo rígido. Mas à medida que avançamos em direção às regiões periféricas, as estrelas vão ficando mais e mais esparsas. Quanto menor o efeito da gravidade, menor a velocidade de giro. Bem, pelo menos era o que se esperava.
Rubin e seu grande amigo Kent Ford se dedicaram ao estudo das chamadas curvas de rotação. São gráficos que mostram como a velocidade de rotação das estrelas variam em função da sua distância ao centro galático. A análise de Rubin e Ford revelou algo surpreendente: em vez de diminuir, como era esperado, a velocidade das estrelas mais periféricas aumenta continuamente. Isso só é possível porque a Via Láctea está cercada por uma grande quantidade de matéria invisível, detectável apenas pelo efeito gravitacional que produz. A existência da matéria escura havia sido finalmente comprovada, mas Zwicky não viveu o suficiente para saborear o seu triunfo tardio.
Figura 3 - Curvas de Rotação
A existência da matéria escura é um fato bem estabelecido. Ela corresponde a cerca de 85\% da matéria existente no Universo. Ou seja, a luz só nos mostra 15\% da matéria que existe no Cosmo. Não sabemos praticamente nada sobre a natureza da matéria escura. Como ela surgiu no Universo? Qual é a sua composição? São partículas, como a matéria comum? A matéria escura pode até ter mais de uma composição, ser muitas coisas diferentes? Existe uma antimatéria escura? Ela interage de alguma forma com alguma coisa?
Sabemos, no entanto, que sem a matéria escura seria impossível explicar a forma como a matéria ordinária se distribui no Universo. Além disso, o cruzamento de tipos diferentes de informações astronômicas indica que, qualquer que seja a sua natureza, a matéria escura deve ser ``fria", isto é, não deve ser constituída por elementos muito energéticos.
Vários experimentos foram feitos, estão em andamento ou em construção com o objetivo de decifrar o grande enigma da matéria escura. Mas é bastante desafiadora a tarefa de detectar algo que não se sabe o que é, que não interage com a matéria comum de nenhuma forma conhecida. Existem algumas hipóteses sobre o que a matéria escura pode ser. Modelos são construídos a partir dessas hipóteses e suas implicações são exploradas pelos experimentos em busca de um sinal, uma manifestação da matéria escura no laboratório. Não é exatamente uma busca às cegas, mas é quase.
Figura 4 - Concepção artística do Universo em Larga Escala