Nov
19
2024
By admin

por Alberto Reis - CBPF
Os físicos amam as simetrias. Elas são o princípio organizador das teorias físicas, refletem as regularidades que são observadas nos processos físicos da Natureza. A razão do amor pelas simetrias está no fato de elas estarem sempre associadas a quantidades que se não mudam com o passar do tempo. Em todas as reações possíveis envolvendo corpos eletricamente carregados, por exemplo, a carga elétrica total é sempre conservada.
Na teoria do Eletromagnetismo, esse fato implica a liberdade de fazer certas operações matemáticas nas equações e ainda assim obter os mesmos resultados dos cálculos. Dizemos que esse tipo de transformação matemática é uma simetria da teoria do Eletromagnetismo.
Na Física, como vemos, o conceito de simetria transcende o significado geométrico com que estamos habituados, é também uma propriedade matemática abstrata.
A relação entre uma simetria matemática e uma correspondente grandeza conservada foi descoberta no início do século passado pela brilhante matemática alemã Emmy Noether, uma das raríssimas mulheres no mundo acadêmico daquela época.
Um exemplo simples são as rotações. No nosso mundo tridimensional, são necessários três números, ou coordenadas, para localizar espacialmente um objeto. Quando giramos o sistema de coordenadas, o comprimento de um objeto, como uma régua, não se altera, obviamente. Assim, as rotações são uma simetria espacial, ou seja, transformações nas coordenadas que não afetam o comprimento dos objetos.

Figura 1 - Rotações de um objeto
As rotações podem ser feitas gradualmente, através de sucessivos giros muito pequenos, assim como as translações, que podem ocorrer em uma sequência contínua de ínfimos deslocamentos.
Mas há outro tipo de simetria em que a transformação matemática é feita de uma vez só, e que são muito importantes no mundo microscópico das partículas elementares. São chamadas transformações discretas, em oposição às transformações contínuas.
Um exemplo é a conjugação de carga (C), uma operação que muda nas equações o sinal de todas as cargas das partículas. Dois elétrons se repelem com a mesma intensidade que dois prótons. Assim, inverter o sinal de todas as cargas elétricas nas equações resulta em forças idênticas entre elas. À operação conjugação de carga é outra simetria da teoria do Eletromagnetismo.
A paridade (P) é outra transformação discreta muito importante no microcosmo. À operação paridade inverte a direção dos eixos das coordenadas, \( x \to -x \), \( y \to -y \), \( z \to -z \). Trata-se de uma reflexão no espelho seguida de uma rotação de 180º.
A combinação das operações \( C \) e \( P \) transforma as partículas nas suas antipartículas. Se os resultados de uma teoria não se alteram quando invertemos as cargas e os eixos das coordenadas, a teoria possui a simetria CP, ou seja, partículas e antipartículas se comportam exatamente da mesma forma, têm as mesmas propriedades.

Figura 2 - Operações de Transformação
A simetria CP é fundamental para explicar nossa própria existência. Somos feitos de partículas elementares, pontinhos de matéria sem uma dimensão observável com a tecnologia atual. Existem 12 tipos de partículas elementares, e cada uma vem acompanhada da sua respectiva antipartícula, com propriedades idênticas com exceção das cargas.
Quase todas as reações (colisões ou desintegrações espontâneas) envolvendo as partículas elementares possuem a simetria CP. Isso significa que se substituirmos as partículas pelas suas antipartículas, teremos exatamente o mesmo resultado.
Mas isso não é verdade sempre. Em algumas reações raras, partículas e antipartículas se comportam de maneira diferente. Nesses casos, dizemos que a simetria CP é quebrada.
Einstein mostrou que energia e massa são equivalentes, que uma pode se transformar na outra. É o que está codificado na mais famosa equação da Física, \( E = mc^2 \). Quando ocorre uma colisão entre uma partícula e a sua respectiva antipartícula, ambas são aniquiladas.
É uma tentação imaginar colisões entre partículas como se elas fossem minúsculas bolinhas de bilhar. Longe disso, as colisões são uma ação à distância. Podemos sentir com as mãos o que é uma ação à distância quando tentamos aproximar dois ímãs.
A energia das partículas antes da colisão se transforma em novas partículas. Mas cada partícula é sempre criada em companhia da sua antipartícula. Em resumo, cada partícula tem a sua antipartícula, ambas têm as mesmas propriedades e são criadas ou destruídas aos pares. Sempre.
Então, chegamos a um grande enigma. À matéria e a antimatéria são sempre criadas e destruídas simultaneamente, e ambas têm as mesmas propriedades. Assim, deveria haver no Universo iguais quantidades de matéria e antimatéria.
Por sorte nossa, isso não acontece, pois se fosse assim, tudo seria muito diferente. Voltemos no tempo até o Universo primordial. Se houvesse as mesmas quantidades de matéria e antimatéria, elas rapidamente teriam se aniquilado. No Universo haveria apenas luz.
Mas estamos aqui, felizmente, e isso significa necessariamente que houve no Universo primordial um pequeno excesso de partículas sobre antipartículas, um pequeno excesso que deu origem a todos nós e a tudo o que há à nossa volta.
Como surgiu esse pequeno excesso? Esse é o grande enigma.
Sabemos, no entanto, que algumas condições são necessárias para que a matéria tenha prevalecido sobre a antimatéria. Uma delas é que exista um tipo de força, ainda desconhecida, que tenha uma ação diferente sobre partículas e antipartículas, ou seja, que não tenha a simetria CP.
Digo força desconhecida porque nas nossas teorias atuais existe, de fato, um mecanismo que explica porque em raras ocasiões matéria e antimatéria se comportam de maneira distinta, mas seu efeito é insignificante, nem de longe é suficiente para dar conta do pequeno excesso de matéria no início dos tempos.
A matéria visível no Universo (sim, existe matéria invisível, em quantidades cinco vezes maiores do que a visível!) é constituída por apenas três partículas elementares.
Os outros tipos de partículas são instáveis, se desintegram espontaneamente em cadeias que terminam sempre em uma das três partículas fundamentais.
Tentamos entender como se formou o pequeno excesso de matéria usando aceleradores de partículas, que produzem um número muito grande de partículas elementares instáveis.
Algumas formas específicas de desintegração espontânea dessas partículas e de suas antipartículas são selecionadas. Essas desintegrações ocorrem com uma frequência ligeiramente diferente em partículas e antipartículas.
Medindo a diferença nas frequências de desintegração, temos acesso às informações necessárias. O resultado das medidas é então comparado com o que a teoria prevê, sempre em busca de alguma discrepância.
Esperamos que esse método nos mostre, ainda que indiretamente, indícios de forças e partículas que ainda desconhecemos.